Morre Jards Macalé, Ícone da MPB, Aos 82 Anos
Jards Macalé, uma figura singular e profundamente influente na Música Popular Brasileira (MPB), nos deixou aos 82 anos, no Rio de Janeiro. Conhecido como um “anjo torto” por sua estética transgressora e inovadora, o cantor e compositor deixou um legado musical que transcende gêneros e décadas. Sua partida representa uma perda significativa para a cultura brasileira. Nascido na Lapa, Rio de Janeiro, Macalé despontou nos anos 1970, um período efervescente para a MPB, onde sua originalidade o destacou em meio a tantos talentos. Sua voz inconfundível e suas composições ousadas, muitas vezes impregnadas de uma melancolia poética, conquistaram um público fiel e admirador. Canções como “Vapor Barato”, que se tornou um hino para muitos, são testemunhos de sua genialidade e sensibilidade artística. A versatilidade de Macalé era notória, e sua atuação não se limitava apenas à música. Ele teve uma relação íntima com as artes visuais, influenciando e sendo influenciado por artistas de vanguarda como Lygia Clark e Hélio Oiticica. Essa intersecção entre música e artes plásticas é um dos aspectos mais fascinantes de sua trajetória, demonstrando uma visão artística integrada e expandida. Sua obra dialogava com a modernidade, a experimentação e a crítica social de maneira sutil e profunda. A fama de “maldito”, que o acompanhou em parte de sua carreira, na verdade, realçava sua postura autêntica e sua recusa a se dobrar às convenções do mercado. Ele preferiu trilhar um caminho artístico mais intransigente, o que, paradoxalmente, fortaleceu sua imagem e sua arte junto a um público que apreciava sua singularidade e sua coragem em ser diferente. Recentemente, o artista esteve internado, e foram noticiados os últimos momentos de sua vida, culminando em seu falecimento. A notícia de sua morte repercutiu rapidamente, com homenagens de colegas, admiradores e críticos, que reconhecem a vastidão de sua contribuição para a música e a cultura do Brasil. Seu silêncio musical deixa uma saudade imensa, mas sua obra continuará ecoando, inspirando e emocionando.
“Vapor Barato”, sua canção mais emblemática, é um retrato fiel do espírito desconcertante e ao mesmo tempo profundamente lírico de Jards Macalé. Composta em parceria com o poeta Waly Salomão, a música captura a sensação de deslocamento, a busca por algo que escapa, o anseio por liberdade em um contexto de opressão. Essa atmosfera, presente em muitas de suas obras, ressoa com a experiência de vida de muitos brasileiros, especialmente no contexto político e social do país durante os anos em que sua carreira ganhou força. A influência de Macalé se estende para além das letras e melodias. Sua postura artística, desafiadora e sem concessões, serviu de inspiração para inúmeros músicos que vieram depois dele. Ele demonstrou que era possível fazer música de qualidade, com conteúdo e identidade própria, sem necessariamente se enquadrar nos moldes do sucesso comercial imediato. Essa autonomia artística é um valor inestimável em qualquer cenário cultural.
A relação de Jards Macalé com outras áreas das artes, especialmente com os artistas do circuito da arte concreta e neoconcreta, como Lygia Clark e Hélio Oiticica, é um ponto chave para entender a amplitude de sua percepção estética. Essa colaboração e troca de influências enriqueceram tanto sua música quanto o trabalho desses artistas visuais, criando um diálogo interdisciplinar que foi à frente de seu tempo. Macalé não era apenas um músico, mas um artista completo, cuja sensibilidade explorava as fronteiras e conexões entre diferentes linguagens. Sua participação em projetos que envolviam instalações, performances e exposições demonstrava essa visão integrada da arte como um todo.
A alcunha de “maldito”, muitas vezes atribuída a artistas que trilham caminhos menos convencionais, no caso de Macalé, soava mais como um elogio à sua integridade. Em vez de seguir fórmulas prontas, ele apostou na experimentação, na poesia densa e em uma musicalidade arrojada. Essa ousadia o tornou uma figura cult, admirada por aqueles que buscavam algo além do convencional na MPB. Sua música continua a ser descoberta e redescoberta por novas gerações, provando a atemporalidade de sua obra e a força de sua mensagem. A última música que Jards Macalé cantou, segundo relatos, ainda no ambiente hospitalar, simboliza sua dedicação inabalável à arte, mesmo nos momentos mais delicados de sua vida. Essa paixão fervorosa pela música é uma das suas maiores heranças, um testemunho de uma vida dedicada à beleza e à expressão.