Martinho da Vila é entronizado como herói da liberdade na narrativa africana do musical de teatro ‘Coração de rei’

O ator Alan Rocha sobressai no elenco do espetáculo, em cartaz no Rio de Janeiro, por reproduzir em cena com precisão o ‘laiáraiá’ do sambista. Renée Natan (à esquerda), Celso Luz, Alan Rocha e Fernando Leite (à direita) se revezam na interpretação de Martinho da Vila no espetáculo idealizado por Jô Santana
Erik Almeida / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE MUSICAL DE TEATRO
Título: Martinho – Coração de rei – O musical
Idealização e realização: Jô Santana
Direção: Miguel Falabella
Dramaturgia: Helena Theodoro
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♬ No álbum mais coeso de Martinho da Vila nos últimos anos, Negra ópera (2023), o artista se confirmou resistente herói da liberdade na narrativa dessa ópera popular que versou sobre assuntos como a morte na cadência do samba.
Musical de teatro que estreou no Rio de Janeiro (RJ) na quinta-feira, 9 de janeiro, após cumprir temporada em São Paulo (SP), Martinho – Coração de rei retoca esse retrato do cantor, compositor e ritmista fluminense, louvando artista que renovou o samba na segunda metade da década de 1960 com partidos de alta qualidade e sambas-enredos menos caudalosos, como Iaiá do Cais Dourado, joia do Carnaval de 1969 revivida no espetáculo em cartaz no Teatro Riachuelo de quinta-feira a sábado.
Em cena, Martinho José Ferreira é entronizado como herói da liberdade, um Zumbi contemporâneo que dissemina a herança afro-brasileira na selva das cidades através de músicas como À volta da fogueira (Martinho da Vila, Manoel Rui e Ruy Mingas, 1983), surpresa de roteiro musical que também escapa do óbvio ao rebobinar Folia de reis e Linha do ão, duas músicas lançadas no segundo álbum de Martinho, Meu laiáraiá (1970).
A matriz africana embasa a dramaturgia de Helena Theodoro, encenada sob direção de Miguel Falabella a convite de Jô Santana, idealizador do espetáculo. No prólogo épico que abre o musical, Alan Rocha – um dos quatro atores que se revezam na pele de Martinho da Vila – encarna um griô, entidade que, na mitologia da sociedade africana, repassa adiante a história dos povos ancestrais.
Na cena de Martinho – Coração de rei, avivada pelas cores dos figurinos exuberantes de Claudio Tovar, o prólogo fica dissociado da história em si contada na sequência e centrada nos passos iniciais de Martinho para se impor como compositor nos anos 1960, sem a intenção de virar cantor.
Como o texto enfatiza, a carreira de cantor aconteceu de forma quase acidental naqueles dias de luta em que o artista iniciante se dividia entre a quadra da escola de samba Unidos de Vila Isabel e o quartel, onde cumpria expediente como sargento.
Na narrativa metalinguística, quatro atores – Alan Rocha, Celso Luz, Fernando Leite e Renée Natan – se alternam (e se reúnem) em cena como Martinho, sendo que a performance de Alan logo se impõe como o maior trunfo do espetáculo.
Mostrando conhecer bem o laiáraiá singular de Martinho, Alan Rocha reproduz com precisão o jeito de o artista falar, cantar e se movimentar, valorizando musical que salpica informações sobre a vida e obra do artista sem preocupações cronológicas e com ênfase na conexão do artista com a África.
Como se não bastasse chegar à apoteose como Martinho da Vila, Alan Rocha ainda arranca risos da plateia ao performar como um impagável Jamelão (1913 – 2008).
Um Noel Rosa (1910 – 1937) vaporoso vaga pela cena – como espírito encarnado no corpo do ator Dante Paccola – com a função de pontuar determinados acontecimentos no texto que, valendo-se do uso da metalinguagem, cita várias vezes o nome do diretor Miguel Falabella e põe a própria dramaturga em cena no segundo ato.
Entre visões idealizadas da mãe de Martinho, Teresa de Jesus – louvada em cena com o canto do samba Pra mãe Teresa (Martinho da Vila e Beto sem Braço, 1989) – e da história de amor do artista com Cléo Ferreira, contada ao som de Recriando a criação (Martinho da Vila e Zé Katimba, 1985), o musical Martinho – Coração de rei apresenta outras mulheres importantes na vida do artista.
Mãe de Analimar Ventapane e Mart’nália, Anália Mendonça (1942 – 2005) é interpretada pela neta Dandara Ventapane, que brilha ao cantar o acalanto Tom maior (Martinho da Vila, 1968).
No segundo ato, a dramaturgia se dilui e fica sem conclusão, apesar de o canto de Heróis da liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira) – antológico samba-enredo com o qual a escola Império Serrano desfilou no Carnaval de 1969 – sublinhar a mensagem do musical antes de tudo se acabar em roda da samba, recurso fácil para fazer o público cantar com o elenco sucessos como Madalena do Jucu (Martinho da Vila, 1989). Sambas que reiteram a realeza de Martinho José Ferreira.
As cores vivas dos figurinos de Claudio Tovar saltam aos olhos no espetáculo ‘Martinho – Coração de rei – O musical’, em cartaz no Teatro Riachuelo
Erik Almeida / Divulgação

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