Entre ‘fantasma’ da pandemia e disputas com prefeitura, mercadão de SP luta para retomar movimento

Com corredores mais vazios, espaço centenário em Pinheiros contrasta com efervescência do bairro e tenta se reformular Em um final de semana típico, a paisagem de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, tem um intenso fluxo de moradores e turistas em busca dos 1.110 bares e restaurantes da região, como as grifes gastronômicas que ocupam a Rua dos Pinheiros. Mas a algumas quadras dali o centenário Mercadão do bairro sofre com o baixo movimento e disputas com a prefeitura. Em crise desde a pandemia, o espaço tenta se reinventar sob a batuta de Ana Paula Sater, gestora ambiental, historiadora, gastrônoma e mulher de Almir Sater, ícone da moda de viola no Brasil.
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Com 114 anos de história — 53 deles no endereço atual —, o Mercado Municipal Engenheiro João Pedro de Carvalho Neto fica ao lado dos movimentados Largo da Batata e Rua Teodoro Sampaio e da estação Faria Lima do metrô. Tem dois pavimentos, mais de 4 mil metros quadrados e 39 boxes, cinco deles vazios. Após altos e baixos, a pandemia de Covid-19 se revelou um golpe do qual o espaço jamais se recuperou.
— Voltamos atendendo quase a metade do público de antes. E a gente está há quatro anos assim — conta Alex Gomes, sócio do chef Rodrigo Oliveira no Mocotó Café, que ocupa um dos boxes desde 2015.
Quase ao lado, outros dois nomes da cena gastronômica de São Paulo abriram pontos com cardápios dedicados a produtos dos biomas brasileiros: Alex Atala, do estrelado D.O.M., e Checho Gonzales, do Comedoria Gonzales. O trio liderou um movimento para repaginar o espaço — fora do Brasil, mercados em bairros gastronômicos são um sucesso de público, como o Time Out Market, em Lisboa, que já recebeu mais de 35 milhões de visitantes desde a inauguração, em 2014.
Em 2016, o Instituto Atá, de Atala, firmou um Termo de Cooperação com a prefeitura para participar das obras de revitalização do Mercadão de Pinheiros, que custaram R$ 1,6 milhão. O espaço tem financiamento misto: enquanto a prefeitura arca com custeios e investimentos — os repasses foram de apenas R$ 490 mil em 2024 —, a associação dos permissionários é responsável por serviços de zeladoria, segurança, limpeza e manutenção. Hoje, o único dos três chefs que permanece ali é Oliveira, do Café Mocotó. O Instituto Atá debandou em maio de 2023. Checho saiu em julho do mesmo ano, alegando um “descaso completo que acompanhou (a pandemia)” em post nas redes sociais.
‘Fantasma’ da pandemia
A sensação entre os lojistas é a de que, mesmo passada a pandemia, o mercadão não decola — e atualmente é possível encontrar corredores não muito cheios até nos fins de semana. Com a ascensão do delivery, o número de clientes nunca voltou ao “antigo normal” e muitos permissionários fecharam as portas.
— As pessoas simplesmente não vinham. Acho que já quitei minhas dívidas de pandemia, mas muita gente ainda tem esse problema e fechou as portas — relata Cristina Luvizari, da terceira geração de proprietários à frente do Frios e Laticínios Luvizari, que atua no Mercadão desde 1927, ainda no primeiro endereço, na Avenida Faria Lima.
É esse contexto que Ana Paula Sater tenta reverter. Ela aposta em mudar a cara do centenário mercado ao aumentar o número e a diversidade dos restaurantes, que cada vez mais devem substituir as lojas de temperos, queijos, embutidos, frutas, carnes e outros itens culinários.
Ana Paula chegou ao mercado em 2018, quando abriu ali uma padaria artesanal chamada Feliciana Pães e Outras Histórias. Depois, inaugurou outros dois estabelecimentos, o Manduque Massas e Maçãs, ainda na pandemia, e a peixaria Azur, já em 2024. Em 2021, ela se tornou presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado de Pinheiros e, para aumentar a frequência de público, tenta, mais uma vez, inserir o Mercadão na rota gastronômica da cidade.
Ana Paula acredita que o principal interesse do público são os restaurantes, e não fazer compras. Atualmente, sete dos 39 boxes são ocupados por eles, enquanto os outros servem como lojas.
— A parte gastronômica está funcionando, porque temos diferenciais. São coisas que você só vai encontrar aqui, não vai ter em outro lugar — diz. — Quem conhece, volta.
Segundo a gestora, a ideia é atrair restaurantes para os boxes atualmente vazios. Em março, o mercado deve receber uma nova cafeteria e, ainda em 2025, o plano é inaugurar mais dois estabelecimentos.
Sobre as dificuldades para decolar, a administração reclama da excessiva burocracia por parte da prefeitura para que as licitações sejam liberadas. A gestão de Ricardo Nunes (MDB) afirma que, em 2024, apenas duas concessões foram abertas para o ramo de restaurantes e empórios e que, na época, a própria Associação pediu alterações nos processos — que seguem em andamento.
Cardápio de eventos
Além de atrair restaurantes, Ana Paula tem buscado realizar mais eventos. Em setembro, organizou a Noite no Mercado, jantar privativo que contou com nomes como o próprio Rodrigo Oliveira, com ingressos que variaram entre R$ 310 e R$ 500. A ideia era arrecadar fundos para uma revitalização, mas o resultado financeiro ficou “aquém do esperado”. Ao final, segundo os organizadores, o importante foi entender que “há público interessado nessas ações”.
— O intuito é que as pessoas conheçam o mercado — diz Ana Paula.
Quanto aos investimentos de revitalização, que incluiria desde a fachada até as escadas internas e a estrutura do deck, a gestora admite que existe um patrocínio de seu próprio bolso na empreitada, mas não o informou qual teria sido seu investimento.
Apesar de ser a “capital da gastronomia”, São Paulo nunca emplacou um de seus Mercados Municipais como polo turístico. Fora do país, há vários exemplos de sucesso. Fundado há uma década, o Time Out Market de Lisboa tem uma seleção bem apurada de restaurantes, bares e lojas e uma das mais conhecidas discotecas da cidade, a Rive Rouge. Em Londres, o Borough Market, com cerca de mil anos de história, atrai o público com iguarias que vão dos queijos franceses às carnes exóticas. Na América Latina, o mercado de San Telmo, fundado em 1897, se tornou Monumento Histórico Nacional em 2000.
Em São Paulo, o principal mercado da cidade, o Mercadão Municipal, administrado pela iniciativa privada desde 2020, passou por uma longa reforma — cuja conclusão foi adiada por várias vezes —, mas deve ter novidades apresentadas amanhã, de acordo com a concessionária responsável. Apesar de estar no degradado Parque Dom Pedro, ficará mais moderno e será um concorrente ainda mais relevante para o “irmão” de Pinheiros.
*Estagiária sob orientação de Pedro Carvalho

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