Bad Bunny domina o Top Global do Spotify com ‘Debí tirar más fotos’; entenda a importância política do álbum

Principal artista pop da atualidade, ele faz uma ode a Porto Rico, sua terra natal Donald Trump tomará posse amanhã como presidente dos Estados Unidos enquanto o porto-riquenho Bad Bunny domina, há dias, as paradas dos principais streamings do mundo. No Spotify, ele é top 1 artista global na semana e ocupa a mesma posição no ranking americano. A música “DtMF” também é a mais ouvida da semana no planeta e nos EUA.
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A ironia dessa trilha sonora acidental é que, num comício republicano em outubro do ano passado, um comediante disse que Porto Rico era “uma ilha de lixo flutuante” e, com o sétimo álbum, o novo “DeBÍ TiRAR MáS FOToS”, o artista pop faz o mais pesado manifesto político de sua carreira e a maior declaração de amor a seu país.
Colônia dos Estados Unidos desde 1898, PR (como a ilha é citada nas gírias das músicas) foi devastado pelo furação Maria, em 2017, que provocou quase três mil mortes, e até hoje sua infraestrutura não se recuperou. O país ainda sofre com apagões, uma penúria que, no álbum de 2022, foi tema da música “El apágon”.
— Esse disco é um presente de Bad Bunny para o que chamo de um “Porto Rico ferido” — explica, por videochamada, a pesquisadora Sheilla Madera, da Florida International University, em Miami, e organizadora do livro “The Bad Bunny enigma: culture, resistance and uncertainty” (em tradução livre “O enigma de Bad Bunny: cultura, resistência e incerteza”).
Debí Tirar Más Fotos
Divulgação
Nas letras das canções, Bad Bunny pincela críticas aos problemas de infraestrutura do país (“BOKeTE” é sobre os buracos das ruas), à gentrificação e à relação com os Estados Unidos (em “LO QUE LE PASÓ A HAWAii” é bem direta sobre o domínio americano ao dizer “não quero que façam com você o que aconteceu com o Havaí”). Isso tudo bem embrulhado numa mistura de reggaeton e pop com gêneros tradicionais locais como a bomba e a plena.
— Bad Bunny sempre falou sobre questões de Porto Rico e incluiu referências ao país em suas músicas, mas este álbum eleva isso a um nível completamente diferente — diz, via Zoom, Petra Rivera-Rideau, professora da faculdade americana Wellesley College, autora de “Remixing Reggaetón” e cofundadora do projeto acadêmico “Bad Bunny Syllabus”, que analisa a intercessão da música do cantor com a história de Porto Rico. — Tudo em “DeBÍ TiRAR MáS FOToS”está enraizado nas tradições musicais locais. E há toda uma mensagem. O país enfrentou muitas crises: desde a devastação do Maria, passando pela destruição completa da economia com a crise da dívida, até a atual crise de gentrificação que tem realmente deslocado muitos porto-riquenhos.
Esse discurso ganha ainda mais tração porque Bad Bunny não é um turista nas paradas musicais. Como frisa Maykol Sanchez, head de música no Spotify na América Latina, ele alcançou o primeiro lugar no ranking global da plataforma por três anos consecutivos.
— Isso demonstra uma enorme influência e apelo global — diz Maykol.
Com o nome verdadeiro de Benito Antonio Martinez Ocasio e a idade de 30 anos, o artista vindo de uma família de classe média está na estrada há sete anos quando apareceu no cenário mundial cantando reggaeton, um estilo musical surgido no Caribe na década de 1990 que mistura hip hop, reggae, e ritmos latinos como salsa e merengue, a elementos eletrônicos.
— Bad Bunny “rivaliza” (nas paradas) com artistas como Taylor Swift e Bruno Mars, mas cantando em espanhol — diz Thiago Soares, pesquisador de cultura pop e professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. — E num espanhol caribenho. Ao contrário de artistas contemporâneos, ele não cede à ideia de falar inglês. E, quando fala, é com sotaque. Talvez a grandeza dele hoje não seja só em números, mas também em geopolítica.
Num momento de incertezas para a comunidade latina nos Estados Unidos, o álbum de Bad Bunny é claro exemplo de artvism (acrônimo, em inglês, para arte e ativismo), diz Sheilla — embora o artista não faça grande alarde quanto isso. “Às vezes você quer chorar, você quer dançar, você quer se apaixonar e às vezes você quer conversar sobre coisas políticas. É assim que funciona”, disse ele ao “The New York Times” no início do mês.
Como crescente xenofobia alimentada pela extrema direita não é uma exclusividade do continente americano, faz sentido a mensagem de Benito ser sucesso global, diz Petra.
— Questões de racismo e colonialismo são problemas globais e muitos grupos marginalizados em diferentes contextos podem se identificar com essa mensagem. Vi muitos discursos online sobre “Debí Tirar más fotos” ser um grito de orgulho. Acho que isso é parte do que faz Bad Bunny uma estrela no planeta todo.
Mas Bad Bunny não quer rodar mundo, prefere ficar em casa. Ele anunciou 30 shows em San Juan, no que chamou de residência “No me quiero sair de aqui”, em julho, agosto e setembro. Os nove primeiros são exclusivos para moradores da ilha.
Em 2004, quando o rapper porto-riquenho Daddy Yankee tomou o mundo com a faixa “Gasolina”, poucos talvez pudessem imaginar que aquela novidade – o reggaeton – iria se tornar algo tão importante para o pop quanto o jamaicano reggae. De lá para cá, DK e o conterrâneo Luis Fonsi fizeram de “Despacito” a música com o vídeo mais assistido do YouTube e Bad Bunny bateu recordes e recordes no streaming. O que faltava? Um álbum que fincasse a bandeira de Porto Rico no Monte Castello da música, assim como Bob Marley o fizera pela Jamaica em 1977 com “Exodus”. Em 2025, a hora parece ter chegado com “Debí tirar más fotos”.
Crítica de “Debí tirar más fotos”, de Bad Bunny – ÓTIMO
por Silvio Essinger
O sexto álbum desse artista de 30 anos de idade traz a proposta de uma sutil revolução, que começa pela capa, de uma eloquente banalidade. “Nuevayol” — canção que, como as outras, é cantada em espanhol de Porto Rico e grafada numa displicente alternância de letras em caixas baixa e alta — abre o disco com um sample de salsa seguido de uma moderna explosão rítmica.
“Como Bad Bunny vai ser o rei do pop? Com reggeaton e dembow (mutação dominicana do estilo)”, alerta o artista na faixa. E o que vem pela frente não desmente a introdução: reverente à música tradicional do seu país (e saudoso dela), mas ciente de que o futuro é ele, Bad Bunny costura passado e presente num disco que tem tudo de um clássico: ambição, fluidez, riqueza de sentimentos, coesão e um poderoso sentido pop.
Com estilo, hábeis rimas e uma voz que é expressiva sem ser ostensiva, o astro porto-riquenho aposta em letras entre o particular e o universal num disco que é, sim, muito político, embora não dê pinta de sê-lo em sua totalidade. O poder da salsa conquista o ouvinte em “Baile inolvidable” (“não, não posso te esquecer / não, não posso te apagar / você me ensinou a te amar / você me ensinou a dançar”) e em “La mudanza”, que fecha o disco em ritmo de manifesto com pelo menos um papo reto: “o mundo inteiro já conhece o meu dialeto”. E o reggaeton come solto (e feroz) em “Eoo” e “Voy a llevarte pa PR”.
Limpando as asperezas que caracterizam as produções dos seus conterrâneos e contemporâneos (mas unindo-se seu talento ao dos artistas novos da sua terra), Bad Bunny seduz com os ritmos de “Perfumito nuevo” e “Weltita”, com os violões de “Turista” e com a doce tristeza de “Bokete”, “Ketu tecré” (“você não era assim quando eu te conheci”), “Dtmf” e “Pitorro de coco”. E até na faixa que teria tudo para ser a mais incisiva do disco, “Lo que le pasó a Hawaii”, a fusão de música jíbara e synthpop colabora para deixar bela e leve a soturna canção. Para ser ouvido do iício ao fim, “Debí tirar más fotos”é, desde já, um dos discos obrigaórios de 2025.

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