Ações de pensão alimentícia e de pedido de guarda estão empacadas na unidade, chegando a ter apenas uma movimentação por ano Uma mãe resolve entrar na Justiça para obrigar o pai de sua filha a pagar pensão alimentícia. Separada há cinco anos, ela nunca recebeu uma ajuda fixa dele, o que decidiu exigir após começar a enfrentar instabilidade financeira fruto do desemprego. Agora autônoma e com dinheiro incerto, ela trava uma luta judicial em busca do suporte desde março do ano passado, quando protocolou a ação na 3ª Vara de Família do Fórum Regional da Barra da Tijuca, que até agora não resolveu o impasse. O drama da espera não é incomum na unidade, que vem acumulando queixas de lentidão em processos que correm nas varas cíveis e de família.
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— Eles são lentos demais. O processo só teve uma movimentação, em outubro, quando fizeram a primeira audiência com o pai. Minha vida está praticamente congelada à espera de uma decisão. São dias e noites de angústia, aguardando e torcendo. E é muito triste a situação, especialmente quando envolve crianças e pessoas com deficiência. Essa situação adoece a gente, frustra. Muitas pessoas do meu entorno se revoltam e me orientam a procurar a Justiça. Então, tenho que explicar que ela já foi acionada há meses. É um absurdo, porque envolve pensão alimentícia, algo urgente, que define se haverá ou não comida na mesa — revolta-se a mãe, que prefere não ter a identidade revelada. — Essa Justiça demorada acaba sendo cúmplice de genitores irresponsáveis. A partir do momento que tomam ciência do processo, os pais ficam indignados e passam a não ajudar em mais nada, sabe-se lá até quando. Os filhos são os mais prejudicados.
De acordo com a advogada do caso, nem o pedido de tutela de urgência antecipada, que obrigaria o pagamento da pensão de forma provisória até a decisão definitiva do processo, foi analisado ainda pelo juiz. Por lei, explica, a solicitação deveria ter sido apreciada logo no recebimento da petição.
— A expectativa era que a tutela tivesse sido analisada até dezembro, o que não ocorreu. Percebo que há uma escassez de pessoal. Quando chego ao fórum, vejo inúmeras mesas vazias e apenas uma pessoa no balcão. Apesar de hoje os processos serem eletrônicos, eles necessitam, desde o protocolo até o arquivamento, de uma mão humana para andar. As varas de família são as mais problemáticas, sobretudo quando se trata de processos de inventário. Cada movimentação só acontece a cada seis meses, em média. Tenho um processo do tipo que está parado desde maio do ano passado na 1ª Vara de Família — relata.
Gestão ineficiente
Presidente da Comissão de Celeridade Processual da OAB Barra, o advogado André Alvarenga chancela as reclamações sobre morosidade no fórum do bairro e avalia que o problema se deve a uma soma de alta demanda de processos, déficit no quadro de serventuários e gestão ineficiente.
— A região abrangida pelo fórum é enorme e teve um crescimento exponencial nos últimos 15 anos. Por óbvio, a demanda é imensa. É um volume absurdo de processos chegando diariamente e uma quantidade pequena de varas para suprir isso. Há apenas sete varas cíveis, três de família, dois juizados especiais e uma vara de violência doméstica. As mais críticas são a 2ª, 4ª e 5ª cíveis, onde os processos praticamente não andam. Por outro lado, há uma certa falta de gestão. O ritmo também depende da vontade dos magistrados responsáveis pelas varas em querer fazer as coisas acontecerem. Há juízes que assumem o compromisso de buscar celeridade e entregar jurisdição às pessoas e outros que não. A situação poderia estar 40% melhor se houvesse uma direção mais eficiente dos trabalhos nos cartórios, com o estabelecimento de metas de tramitação dos processos e cumprimento de horários, por exemplo — analisa.
André Alvarenga. Presidente da Comissão de Celeridade Processual da OAB Barra diz que morosidade se deve a gestão ineficiente
Arquivo pessoal
Abertura de concursos
A solução do problema passa ainda, sugere Alvarenga, pela abertura de concursos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ao qual o Fórum da Barra é subordinado, para o aumento do quadro de servidores e a criação de mais varas.
— A Barra precisa de, pelo menos, mais três varas cíveis e dois juizados especiais. Isso somado a uma mão de obra mais numerosa desafogaria muito o sistema. A grande questão é que o TJRJ se importa mais em comprar carros e ter prédios suntuosos — lamenta.
Acúmulo de processos
De acordo com um levantamento da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, feito a pedido do GLOBO-Barra, de janeiro a novembro de 2024, o acervo geral de processos da 3ª Vara de Família do Fórum da Barra, por exemplo, aumentou 13,4% em relação ao mesmo período de 2023 (de 37.166 para 42.135). O número de sentenças, por sua vez, caiu 5,5% (de 1.180 para 1.115) de um ano para o outro. Na 2ª Vara de Família, o acervo é ainda maior, mas sofreu uma redução de 12,9% no período (de 71.889 para 62.654). E o número de sentenças cresceu 37,5% (de 1.342 para 1.845) na unidade, a qual, ainda assim, é alvo de queixas de morosidade.
Um dos processos que tramitam na casa é um pedido de concessão de guarda de uma criança, protocolado em abril de 2023 e sem uma decisão definitiva até hoje. Só um ano e quatro meses após a petição, em agosto de 2024, foi concedida a guarda provisória, que tem duração de seis meses, uma medida de urgência solicitada para que a criança pudesse ter acesso à assistência médica pelo plano de saúde da mãe adotiva. Agora, resta a expectativa para o julgamento do pedido principal: a guarda definitiva.
— O que chama a atenção no Fórum da Barra, sobretudo na 2ª Vara de Família, é o tempo demasiado para o juiz apreciar a petição inicial e para se manifestar entre um ato e outro. Para piorar, mesmo depois que o magistrado dá a sentença, provisória ou não, a secretaria demora meses para digitar e emitir um documento que poderia ser feito em questão de minutos. O termo de guarda provisória da minha cliente só ficou pronto em 11 de dezembro, quatro meses após a decisão, uma demora que considero absurda. Isso porque tinha prioridade, e eu fiquei ligando direto e cobrando toda semana — conta o advogado à frente da ação. — Eu evito pegar casos aqui na Barra, porque é uma Justiça lenta além do normal, que acaba sendo ineficaz. Esse da guarda só peguei porque é de parente.
OAB cobra providências
Ex-presidente da OAB Barra, o advogado Marcus Soares, cujo mandato terminou no último dia 5, diz que o órgão já se reuniu diversas vezes, sendo a última em outubro, com a presidência do fórum e a direção do TJRJ a fim de cobrar soluções para a questão. No segundo semestre do ano passado, afirma, a pressão levou à alocação de mais um serventuário na 2ª Vara de Família, somando-se ao único que havia, e a unidade ganhou um juiz titular.
Marcus Soares e Ana Tereza Basilio. O então presidente da OAB Barra e a atual presidente da OAB RJ após reunião com o TJRJ sobre o Fórum da Barra
Divulgação/Bruno Mirandellla
— Há que se reconhecer que o TJRJ peca ao não investir na qualificação dos servidores. E pior: sequer abre concurso para a contratação de pessoal. Hoje, o Fórum da Barra é repleto de estagiários; muitas vezes, até de outras áreas que não o Direito. As varas têm uma média de oito mil processos, número que excede a capacidade de um juiz analisar. O ideal seria algo em torno de quatro mil; daí a necessidade da abertura de mais varas. O panorama atual acaba contribuindo com a lentidão na tramitação judiciária. Qualquer advogado que pode escolher não distribuir na Barra, ele o faz — destaca Soares.
Questionado sobre a morosidade, o TJRJ não respondeu. Em relação à queixa de falta de pessoal, o órgão informa que está planejando a realização de concurso público para o cargo de analista judiciário, com data de publicação do edital ainda a ser definida. A banca do certame será o Instituto AOCP. Diz ainda que, em 2024, deu posse a 119 concursados. Responsável pela lotação dos concursados, a Corregedoria não especificou quantos foram alocados na Barra.
Home Angústia e dor à espera da Justiça: advogados e clientes reclamam da lentidão em processos no Fórum da Barra