‘Rainha da mata’: embaúba ajuda a restaurar áreas degradadas

Espécie é sombra para a mata rebrotar, alimento para aves e mamíferos, abrigo para insetos e remédio para os homens. Embaúba é considerada árvore pioneira e essencial para restauração da floresta
Acervo TG
Quando o Brasil ainda tinha quase todas as suas florestas em pé, uma árvore chamava a atenção dos colonizadores e naturalistas estrangeiros. “Muito singular e de grande efeito no cenário, distingue-se a embaúba entre as outras altas figuras da mata virgem”, descreveram Johann von Spix e Carl von Martius, em 1823.

Bem antes dos alemães, o colonizador português Gabriel Soares de Souza fez a primeira descrição da embaúba, em 1587, no livro Tratado Descritivo do Brasil: “Uma árvore comprida e delgada, que faz uma copa em cima de pouca rama…Tem o olho desta árvore grandes virtudes para com ele curarem feridas”. Para o explorador inglês Richard Burton, em 1869, “a beleza malva e amarela da floresta florida devia-se às folhas prateadas das altas embaúbas, umas das mais interessantes árvores das florestas do Brasil… É, sem dúvida, a rainha do mato”.
Fruto da embaúba serve de alimento para aves como a saíra-de-papo-preto
Rudimar Narciso Cipriani
E nós, os brasileiros? Quem só enxerga madeira numa árvore, não dá nada para a embaúba, espécie originária da zona tropical do continente americano. O tronco oco e mole só serve para fazer caixinha e palito de fósforo. Os indígenas faziam jangadas rústicas e, com a fibra retirada da casca, corda para os arcos, rede e um tecido cruzado, forte e rústico. Caboclos e escravizados removiam o miolo do tronco e faziam trombetas, tubos, calhas e canos de água.
Até as propriedades medicinais da embaúba já foram mais bem aproveitadas. “O sumo recentemente extraído dos botões foliáceos da Ambuava (Imbauba-Cecropia), rica de mucilagens e sais, é empregada como loção refrigerante nas oftalmias e inflamações erisipelatosas”, descreveu von Martius. Hoje, sabe-se com certeza, graças a uma pesquisa de campo sobre as plantas medicinais da Estrada Real, que entre os mineiros, o broto é usado na medicina caseira como diurético e para baixar a febre e a pressão arterial.
Mas se a embaúba já não impressiona mais, tem quem a reconheça como a rainha do mato, a guerrilheira da floresta: os pesquisadores – se pudessem se comunicar conosco – também os bichos e outras árvores. Isso porque a espécie é considerada pioneira e tem a função cicatrizar áreas degradadas.
Fêmea de araçari-poca se alimentando da ‘bananinha’ da embaúba
Geiser Trivelato
A semente da espécie precisa de luz para brotar e como é uma árvore de crescimento rápido, consegue transformar rapidamente o ambiente com matéria orgânica e umidade para outras espécies.
A embaúba tem ciclo de vida curto, em torno de 20 anos. Por isso, quando a área já está reflorestada, ela dá sua contribuição e quando for cumprida sua missão deixa muitos descendentes espalhados pela floresta: cerca de 800 mil sementes em cada quilo de semente. Se abrir uma clareira e a luz do sol chegar forte ao solo, a ‘guerrilheira da floresta’ está sempre pronta para o seu papel de pioneira.
Embaúba é considerada espécie que faz pouca sombra
Acervo TG
Nesta função de regeneradora, a embaúba tem importantes aliados: animais como morcegos, raposas, macacos, mamíferos e aves atraídas pelos seus frutos, doces como figo. A preguiça-de-bentinho (Bradypus tridactylus) se alimenta dos brotos e folhas novas e chega a fazer dela sua ‘casa’. Daí um dos nomes populares da árvore: ‘pau-de-preguiça’.
A embaúba garante casa e comida também para formigas, principalmente as do gênero Azteca, miúdas, mas de picada dolorida. Em troca, a árvore ganha um ‘cão de guarda’ contra pragas, insetos e até contra o homem.
Nas florestas e matas, basta a embaúba para começar o processo de ‘cicatrização’. Mas como dá pouca sombra, em áreas invadidas por gramíneas exóticas, como a braquiária, ela precisa do reforço de outras espécies para garantir o sombreamento necessário para conter o avanço das invasoras. Em geral, ela cresce primeiro, sendo seguida de perto por outras pioneiras. A embaúba tem também papel importante porque atrai os bichos que vão espalhar as sementes de todas as espécies.
Primatas também se alimentam do fruto da embaúba
Ananda Porto/TG
Para sorte dos bichos e de outras espécies vegetais, a embaúba resiste à previsão pessimista do naturalista francês Conde de Castelnau que, em 1850, vaticinou: “Estas florestas primitivas se vão tornando raras nas imediações do Rio de Janeiro; são incessantemente atingidas e já não indicam dentro de poucos anos os índios e bananeiras terão substituído as Cecropia e as Lecythis” (embaúbas e sapucaias, respectivamente).
Esta ‘guerreira’ não corre o risco de desaparecer porque tem capacidade de se estabelecer mesmo nos locais mais degradados, como barrancos de rodovias, por exemplo. O perigo, hoje, é a impermeabilização, que causa o desaparecimento de todas as espécies num determinado local. inda assim, na capoeira mais próxima a embaúba será encontrada.
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