Mundo ultrapassa a marca de 1,6°C: entenda o que isso significa para o clima e quais os impactos para o Brasil

Especialistas explicam que calor recorde afeta mais países subdesenvolvidos e tropicais, como o Brasil, e expõe à população a extremos. Dados do Cemaden mostram que, em 2024, regiões no país ficaram até 2,2°C mais quente. O mundo está ficando mais quente e isso está acontecendo muito antes do esperado. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado na Terra e, pela primeira vez, a temperatura média global aumentou 1,6ºC em relação aos níveis pré-industriais, superando o que é considerado limite seguro para o planeta.
➡️ Você pode pensar que o ano ser o mais quente já visto pode não ser uma novidade – e não é. Há uma década os anos vêm marcando recordes de temperatura, antes 2023 já tinha sido o ano mais quente já vivido na Terra, por exemplo.
🔴 O problema é que, agora, esse aumento chegou a um patamar acima do limite do que é considerado seguro. A previsão dos pesquisadores há quase uma década para quando isso acontecesse é que sofreríamos extremos de chuva, seca e mortes. E foi o que vimos em 2024:
🔴 Chuvas intensas como as que devastaram cidades inteiras no Rio Grande do Sul e na Espanha, que viveu a pior tempestade da história;
🔴 A pior temporada de furacões da história dos Estados Unidos;
Chuvas que mataram centenas de pessoas na África e mudaram a paisagem do deserto;
🔴 Ao mesmo tempo, secas extremas, deixando pessoas sem água e isoladas, como vimos no Norte do Brasil;
🔴 Incêndios florestais de grandes proporções, como os que aconteceram no Brasil e cobriram o país de fumaça por meses.
O que especialistas dizem é que todo esse cenário pode ser apenas uma amostra do que podemos esperar no futuro caso a Terra continue tão quente como está.
➡️ O 1,5°C foi definido no Acordo de Paris, em 2015, após pesquisas indicarem que esse seria o “limite seguro” das mudanças climáticas. Isso porque, se o índice atingisse a marca de 2°C, que era o que estava sendo previsto com o avanço das emissões, a Terra estaria em risco.
Para que esse limiar fosse mantido, no entanto, era necessário conter o avanço das emissões de gases do efeito estufa, causadores do aquecimento global. Esses gases, como o dióxido de carbono, fazem parte do dia a dia do mundo e de operações que são pilares da economia – o que torna tudo mais difícil.
O que os especialistas dizem é que ter chegado a 1,6°C mais quente em relação aos níveis pré-industriais em 2024 é um indício de que podemos estar mais perto dos 2°C.
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A indústria e os países estão fracassando no compromisso de reduzir as emissões e, agora, superamos um marco limite. Se a gente não reduzir rapidamente, vamos bater os 2°C em breve e isso vai ser um suicídio ecológico
🔴 É importante lembrar que o cálculo é uma média, que leva em conta as temperaturas registradas no mundo todo, que tem lugares mais quentes que outros. Os países mais vulneráveis são os tropicais, como o Brasil. Um levantamento feito pelo Cemanden a pedido do g1 mostra que há locais no país que ficaram 2,2°C mais quentes nos últimos 80 anos. (Leia mais abaixo)
O g1 conversou com Carlos Nobre, climatologista e referência mundial em estudos sobre mudanças climáticas; Paulo Artaxo, pesquisador e membro do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU; e José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) para explicar o que esse cenário pode causar e o que esperar do futuro.
Nesta matéria, você vai ler:
O que significa ultrapassar 1,6°C na temperatura?
Como isso afetou e quais os riscos para o Brasil?
O que é preciso fazer para frear o avanço das temperaturas?
O que significa ultrapassar 1,6°C na temperatura para o clima?
Cientistas no mundo todo vêm alertando sobre o aumento da temperatura global. O calor é um risco à saúde humana e à natureza, muda o clima e pode até fazer desaparecer países, como as Ilhas no Pacífico que podem sumir com o aumento do nível das águas – consequência do aquecimento global.
Quando foi feito o Acordo de Paris, em 2015, o que as pesquisas apontavam era que era preciso reduzir as emissões para evitar que o planeta chegasse aos 2°C de aquecimento. Ou seja, o esperado era que a Terra chegasse a essa temperatura daqui décadas.
No entanto, desde o acordo, a transição energética, para que o mundo usasse menos combustíveis fósseis em sua produção, andou a passos lentos e as emissões continuaram a subir. (Veja o gráfico abaixo)
Dados mostram que 2024 atingiu recorde de emissões de gases do efeito estufa
Arte/g1
À época do acordo, o ano de 2015 tinha sido o mais quente já registrado na Terra e a temperatura média global tinha aumentado em 0,90°C – o que já era considerado um alerta. Mas não parou por aí: os últimos 10 anos seguiram batendo recordes, ano a ano. Com isso, ficando mais perto do limite.
🔥 Por exemplo: em 2021, o aumento da temperatura média global tinha sido de 1,11°C em relação aos níveis pré-industriais. Em 2022 esse número foi para 1,15°C, superado em 2023 para 1,48°C e, agora, 2024 ultrapassa todos os índices chegando a 1,6°C.
Ou seja, enfrentamos “uma década de calor mortal”, como declarou a Organização das Nações Unidas (ONU) e esse calor significa que podemos estar mais perto de atingir níveis em que não é mais possível reverter.
Para Paulo Artaxo, membro do IPCC, painel ligado à ONU, o índice pode indicar que chegamos ao limite, avançando décadas em relação ao que a ciência havia previsto.
O que estamos observando é que estamos ultrapassando todos os limites e isso significa que podemos já estar no caminho dos 2°C, o que não pode acontecer. Isso significa um colapso, principalmente para países tropicais como o nosso.
Carlos Nobre, referência mundial em estudos sobre mudanças climáticas, também reforça que o índice indica que, caso as emissões não sejam reduzidas, é possível que não consigamos impedir a Terra de chegar a uma temperatura de “colapso”.
Rio Madeira em meio á seca
DNIT
Como isso afetou o Brasil e quais os riscos para o país?
De acordo com o centro europeu Copernicus, todos os continentes pelo mundo foram afetados pelas altas temperaturas. No Brasil, análises de órgãos locais como o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que o país viveu o ano mais quente de sua história.
Um levantamento do Centro Nacional de Desastres Naturais (Cemaden), órgão do governo federal que apoia na tomada de decisões sobre extremos climáticos, feito a pedido do g1 mostra que nos últimos 80 anos há regiões no país que ficaram até 2,2°C mais quentes.
A análise usou os dados do Copernicus, mas com o recorte nacional, por bioma, representando as regiões do país, e observou a diferença de temperatura entre 2024 e o que foi observado em 1940, início da série histórica.
Veja os índices por bioma:
🔥 No Pantanal, o aumento da temperatura nos últimos 84 anos foi de 2,2°C, o que abrange regiões do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por exemplo.
🔥 Na Mata Atlântica, que fica na região Sudeste, o índice foi de 1,72°C.
🔥 No Cerrado, que cobre parte do Centro-Oeste e Nordeste, as temperaturas ficaram 1,61°C.
🔥 Na Caatinga o aumento foi de 1,3°C no período de 80 anos;
🔥 Na Pampa, que fica na região Sul, o aumento foi de 0,62°C
O aumento das temperaturas também causou extremos. Em 2024, o país viveu a pior seca já registrada em sua história recente. A estiagem fez a terra aparecer em meio aos rios do Norte, maior bacia do mundo. A falta de chuva fez a vegetação secou e vivemos incêndios recordes que cobriram parte do país de fumaça e tornou difícil respirar por meses.
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Prédios praticamente somem no horizonte devido à camada de poluição e fumaça em São Paulo
Paulo Pinto/Agencia Brasil
Isso tudo aconteceu ao mesmo tempo em que na outra ponta do país, no Rio Grande do Sul, chuvas torrenciais se formassem, devastando cidades que ficaram completamente alagadas e matando dezenas de pessoas.
O Rio Grande do Sul foi prejudicado pelo grande volume de chuva que atinge o estado
Reprodução/TV Globo
O que José Marengo, um dos principais especialistas do país sobre clima, explica é que o Brasil experimentou dos extremos que eram previstos quando a terra aquecesse além do patamar limite.
Marengo alerta que o Brasil é um dos países vulneráveis a esses extremos com o aumento das temperaturas e que se o patamar não for revertido, será como cair de um “penhasco alto”.
O calor altera o clima e nos deixa expostos a desastres como ondas de calor intensas, seca, chuvas difíceis de conter os estragos. Passar desse patamar é como cair de um penhasco alto.
Um relatório recente do Cemaden, que faz o alerta de desastres no país, levando em conta desastres ligados às chuvas, aponta que apesar das oscilações, o volume de ocorrências chegou a patamares elevados. Em 2024, foram 1,6 mil ocorrências. (Veja o gráfico abaixo)
Os pesquisadores alertam que nesse período houve melhorias no monitoramento, o que fez com que os números crescessem. Ainda assim, o aumento das ocorrências de desastres se tornou uma realidade. Reforçam ainda que os dados são de ocorrências e não representam a magnitude. O caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, é um dos piores desastres na história do país, o que faz de 2024 um marco quando se fala em tragédias por extremos.
Cestas de alimentos foram destinadas às famílias ribeirinhas afetadas pela seca extrema
Divulgação
Para além do risco à saúde e à vida, ainda há o risco para a economia. De um lado, há um gasto dos cofres públicos que precisam encontrar verba em meio às crises para apoiar as cidades afetadas. Entre 2011 e 2023, o governo federal perdeu R$485 bilhões com desastres naturais.
De outro, as perdas econômicas aos setores produtivos no país. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em um balanço que reuniu dados apenas de 2024 sobre a seca nos estados do Norte, região mais afetada pela crise, os prejuízos financeiros chegam a R$ 2 bilhões.
E se a média global superar os chegar aos 2°C mais quentes que a era pré-industrial?
O que os especialistas apontam é que as previsões são de que cidades pelo país fiquem até 4°C mais quentes. Isso significa um calor insuportável.
Fumaça de queimadas contribuem para o aquecimento do globo
REUTERS/Adriano Machado
O que é preciso fazer para frear o avanço das temperaturas?
A única maneira de conter o avanço das temperaturas e evitar que o mundo atinja a marca de risco de 2°C é frear as emissões de gases do efeito estufa.
De acordo com os dados divulgados nesta sexta-feira (10) pelo Copernicus, as emissões vem aumentando em 2024 e podem ter chegado a patamares maiores dos que já registrados antes.
🔴 Você pode se perguntar: como isso acontece se há um acordo internacional para redução desses índices? Isso acontece porque o compromisso não vem sendo cumprido e não é uníssono entre os países.
Empresas têm anunciado há alguns anos projetos de redução de emissão, mas especialistas apontam que isso não está sendo feito na velocidade que o mundo precisa.
A humanidade como um todo, em particular os países desenvolvidos e a indústria do petróleo, fracassou em reduzir as missões e acabar com a exploração de combustíveis fósseis.
Na COP 30, que acontece no Brasil, os países vão ter que anunciar as novas metas, atualizando o acordo de Paris. Para Carlos Nobre, essa edição da conferência, em que novas metas são estabelecidas, acontecendo depois de um anúncio como esse, torna o evento no Brasil um dos mais importantes desde a sua criação, mas é também um desafio.
“Os desafios do país são muito grandes para essa COP. A edição vai ser muito estratégica para mudar o patamar do aquecimento global que estamos observando atualmente”, reforça Carlos Nobre.
País é o sexto maior emissor de gases do efeito estufa
Reprodução/TV Globo
O Brasil já anunciou uma atualização do seu compromisso do Acordo de Paris e afirmou que prevê reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035.
No entanto, o que especialistas citam é que, com os índices atuais do clima, já não seriam o suficientes. Segundo o Observatório do Clima, o Brasil deveria se comprometer a reduzir as emissões líquidas em 92% até 2035. Isso significa chegar até a metade da próxima década emitindo, no máximo, 200 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.
Para se ter ideia, atualmente, a emissão líquida do Brasil é de cerca de 2,3 bilhões de toneladas de gases – o país é o sexto maior emissor do planeta.
China, Estados Unidos, Índia, União Europeia (UE), Rússia, Brasil, Indonésia, Japão, Arábia Saudita e Canadá foram os 10 maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) em 2023 de acordo com o relatório mais recente do EDGAR (Emissions Database for Global Atmospheric Research) da União Europeia.
Decisão sobre exploração de petróleo na Foz do Amazonas é técnica, alerta Miriam
Um ponto de atenção para o país é a questão da Foz do Amazonas. No ano passado, a Petrobras descobriu uma acumulação de petróleo em águas ultraprofundas da Bacia Potiguar, no poço exploratório Anhangá, na margem equatorial brasileira.
➡️ A margem equatorial se estende por mais de 2.200 km ao longo da costa entre o Rio Grande do Norte e o Oiapoque, no Amapá. A região é considerada a mais nova fronteira exploratória brasileira em águas profundas e ultraprofundas, e já foi chamada de “novo pré-sal”.
A possibilidade de explorar petróleo nessa região é criticada por ambientalistas que apontam riscos de tragédias ambientais, afetando o território amazônico. A exploração depende da autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – o que a Petrobras ainda não teve. Segundo o órgão, a empresa ainda não retornou ao último pedido de esclarecimentos para a avaliação, que estava em aberto desde 2024.
A possibilidade de explorar petróleo em meio à transição pode parecer contraditória em meio ao anúncio de redução de emissões – e foi exatamente isso que Lula disse em uma entrevista em junho de 2024. E completou que “o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo”.
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