Inflação oficial fecha 2024 acima da meta do Banco Central puxada, principalmente, pelos alimentos

Em três dos últimos cinco anos, a inflação ficou acima do teto da meta. A inflação em 2024 foi de 4,83% e ultrapassou o teto da meta definido pelo Banco Central. Os preços da alimentação foram os que mais subiram.
São mais de 50 anos de feira. E 2024 não foi dos mais fáceis para o feirante José Amaro Gomes da Silva. Ele viu os custos subirem e o lucro diminuir.
“Aquele pessoal que comprava 2 kg, 3 kg, hoje em dia compra 1,5 kg que não consegue comprar. É a feira toda, não é só aqui”.
A inflação fechou o ano em 4,83%, acima da meta que era de 3% com margem de tolerância de 1,5% – ou seja, 4,5%. Mais alta que em 2023. Em três dos últimos cinco anos, a inflação ficou acima do teto da meta. Em dezembro, o índice foi de 0,52%, maior que o de novembro.
Em três dos últimos cinco anos, a inflação ficou acima do teto da meta
Jornal Nacional/ Reprodução
O feirante José Amaro vende alguns dos produtos que mais subiram no ano: carne e frango.
“O frango custava o que, para a gente vender era R$ 13,90, R$ 12,90. Hoje, está R$ 17,80 o frango fresco”.
E aí, Marta, Sônia, faz o quê?
“Você pagar R$ 15 em uma couve-flor, isso não existe”, diz a aposentada Sônia Carvalho.
A feira é um bom termômetro da inflação porque o resultado de 2024 foi influenciado principalmente pelos alimentos, que tiveram o maior impacto no índice. E não foram só carnes, os legumes e as frutas que subiram de preço. Um cafezinho na barraca da Priscila: a bebida que é tão comum no dia a dia dos brasileiros também está pesando no bolso. O café subiu quase 40% ao longo de 2024.
“A gente comprava meio quilo por R$ 8. Hoje, se não caçar preço, paga R$ 35, R$ 25”, afirma a vendedora de café Priscila da Silva.
Mas não teve jeito. A Priscila e o sócio tiveram que aumentar o preço do copinho de café servido quentinho na feira.
“A gente vendia o café a R$ 1. Agora, está R$ 2. Reclamam, mas compram porque eles gostam do nosso café”, conta o vendedor de café Felipe Melo.
Sem falar no leite, no azeite, no óleo de soja, que também subiram bastante. Tem boa notícia: a cebola, o tomate, a batata e o ovo tiveram redução.
Além dos alimentos, outros grupos pesaram no índice. O de transportes, que sofreu impacto da alta da gasolina, e o de saúde e cuidados pessoais, influenciado pelo reajuste dos planos de saúde. Juntos, esses três grupos responderam por cerca de 65% da inflação do ano.
Impacto no IPCA
Jornal Nacional/ Reprodução
As despesas médicas são as que mais consomem o orçamento da Leonela Mendonça. Quase toda a renda da família vai para o pagamento dos planos de saúde e dos remédios para a filha com a Síndrome de Rett, que afeta o desenvolvimento, e para o filho com paralisia cerebral.
“Quando você tem um é difícil, imagine quando você tem dois. Que você tem que às vezes escolher para quem vai comprar o suplemento, para quem você vai comprar um remédio”, diz.
O desejo dessa mãe é não precisar mais fazer esse tipo de escolha.
Quando 2024 começou, as previsões de ano novo projetavam um futuro bem diferente. A referência que os investidores usam para tomar decisões é o Boletim Focus, uma pesquisa que o Banco Central do Brasil faz toda semana com instituições financeiras.
No primeiro do ano, em 5 de janeiro, a inflação estimada era de 3,9%. O país cresceria 1,59% e o dólar valeria R$ 5. De início, correu tudo mais ou menos dentro das expectativas. Em 26 de abril, um dia antes dos primeiros temporais desabarem sobre o Rio Grande do Sul, a inflação projetada estava até menor do que no começo do ano. Mas a tragédia no Sul e a seca em outras regiões pesaram no bolso, como explica o economista Sérgio Vale.
“A gente teve uma produção agrícola menor em 2024. Com uma produção agrícola menor, a gente acaba vendo efeito disso nos preços. A isso se juntou o efeito no segundo semestre das carnes”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Outro número chamava a atenção: o do crescimento. No fim de setembro, o PIB projetado bateu 3%, e em outubro a expectativa para o IPCA atingiu o teto da meta. O professor da FGV Renan Pieri diz que um dado é consequência do outro.
“Em momentos que as pessoas estão ganhando mais, estão podendo comprar mais, a inflação cresce um pouco mais. O que surpreendeu é que o tamanho e o tempo da expansão da economia têm sido muito maiores do que em outros períodos. O que é positivo. Mas também traz consigo o aumento dos preços que deve ali ser ajustado com a política fiscal e a política monetária”, afirma Renan Pieri, professor de economia da FGV.
Política monetária é o Banco Central que faz, ajustando os juros. Política fiscal é controle de gastos por parte do governo. E a desconfiança sobre a gestão das contas públicas pressionou o câmbio. Em novembro, outro impulso para o dólar: a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que trouxe mais incertezas para um cenário global já conturbado por guerras.
O custo do dólar alto está nas coisas do dia a dia. O que é básico, ou commodity no glossário econômico, é comercializado no mundo todo. E no mercado global, a gente compra em dólar e paga caro na conversão. É o caso da gasolina dos carros, por exemplo.
No fim de novembro, depois de mais de um mês de espera, o ministro Fernando Haddad anunciou um pacote de corte de gastos. O plano, considerado insuficiente, foi mal recebido. O dólar subiu, carregando junto a inflação.
“Grande parte da explicação disso vem de origem da política fiscal. Se a gente conseguir reverter e fazer um cenário fiscal diferente do que a gente tem hoje, a gente consegue entregar uma economia muito mais estabilizada lá na frente. Então, a origem é essa. Se for para nomear alguém de culpado aqui, certamente é a política fiscal”, afirma o economista Sérgio Vale.
“O governo gasta muito mais do que ele arrecada. Então, esse desequilíbrio nas contas públicas também está se refletindo na inflação”, diz Renan Pieri.
Em Brasília, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse esperar uma acomodação dos preços:
“Evidente que essa avaliação da inflação tem impacto nesses dois eventos climáticos fortes que vocês acompanharam e noticiaram. Mas eu diria que isso deve se acomodar e o conjunto de medidas fiscais votadas em dezembro, isso vai, inclusive, dialogar e já está promovendo seus efeitos de reafirmar o absoluto compromisso fiscal do governo, trazendo de novo a inflação para dentro da meta e dentro dos limites previstos no conjunto da política econômica”.
Carta Banco Central
Sempre que a inflação fica acima do limite da meta, o presidente do Banco Central tem que enviar uma carta ao ministro da Fazenda explicando os motivos. No documento publicado nesta sexta-feira (10), Gabriel Galípolo atribuiu o estouro principalmente a três fatores: ao crescimento mais forte da economia brasileira, aos eventos climáticos, como a seca, e à desvalorização cambial – uma das mais fortes no mundo.
Segundo Galípolo, a queda do real frente ao dólar ocorreu, principalmente, por fatores internos e deu como exemplo a percepção dos investidores sobre a saúde das contas públicas.
Galípolo afirmou ainda que o Banco Central tem tomado as providências para que a inflação volte a ficar dentro da meta, mas que deve continuar acima do limite até o terceiro trimestre de 2025.
Mercado
A alta da inflação ano Brasil e o aquecimento do mercado de trabalho nos Estados Unidos mexeram com o mercado financeiro. A expectativa dos investidores é que as taxas de juros seguirão pressionadas. O principal índice da Bolsa de Valores brasileira caiu nesta sexta-feira (10) 0,77%. O dólar comercial subiu 1% e fechou cotado a R$ 6,10.
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